sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A literatura e o jogo de pregos do Xisto Veneroso

A literatura e o jogo de pregos do Xisto Veneroso


Carlos Lúcio Gontijo


Em meu primeiro livro, fiz questão de me anunciar não como poeta ou escritor, mas tão-somente como sensibilista. O tempo passou e mais sensível diante do mundo em me fiz, enchendo-me de certeza que minha literatura não passa de soma e relato de memórias que se enraizaram física e espiritualmente dentro de mim. Às vezes me pego saudoso até de meus passos que ficaram incrustados no tempo, guardando as marcas de minha caminhada vida afora e contendo o peso de minhas esperanças e desesperanças como ser humano perante um planeta Terra cheio de senhores e sinhazinhas, que ainda vivem e se comportam como se a sociedade estivesse sob a égide histórica da casa grande e senzala.
Toda a minha literatura é fruto colhido em minha convivência com as pessoas que me rodeavam ou que me rodeiam, mas que independentemente do tempo me habitam como se eu fosse um lugarejo em carne, ossos e alma. São muitas as pessoas que me ajudaram a moldar a minha visão de mundo, auxiliando-me na formação de conceitos e impregnando-me da crença absoluta na prática do amor ao próximo como a maneira mais fácil de orar e agradar a Deus. Ou seja, somos o terço um do outro e, fora desse prisma, o que temos é a fé pobre de atos, gestos e ação.
Lembro-me constantemente de minha infância em Santo Antônio do Monte, quando aos nove anos escrevia os primeiros poemas e os escondia debaixo do colchão. Minha mãe foi a primeira a descobri-los e, também, a dar apoio para que o desenvolvimento do dom da poesia não se perdesse no emaranhado rude de uma sociedade que confunde a opção pela realidade como sinônimo de desapreço por estrela, pôr-do-sol, pés no riacho...
Naqueles bons tempos de menino em minha Santo Antônio do Monte, era parte dos meus sonhos simples de consumo sentar-me no bar do Xisto Veneroso – o Sô Xisto, que ensinou o meu pai José Carlos Gontijo a dirigir – para tomar refrigerante, chupar picolé, sorvete. Eu e os demais amigos gostávamos de disputar campeonatos de futebol numa tábua, na qual se desenhava um campo e se fixavam pregos como se fossem jogadores. Uma moeda (pratinha era o nome que lhe dávamos) fazia a vez de bola, que recebia uma tacada feita com o dedo, alternadamente, pelos contendores. Sô Xisto foi quem engendrou a melhor tábua de jogo e deu ao filho Oswaldo, que nos permitia usufruir do disputado brinquedo.
E eis que estava certa feita no bar do Xisto tomando refrigerante com sorvete, enquanto caía uma chuva fina que, aos poucos, foi diminuindo até parar de vez. Ao sair, como já não chovia, acabei me esquecendo do guarda-chuva e, no dia seguinte, dirigi-me até o bar a fim de recuperá-lo. Sô Xisto, gentil e educadamente, pôs-se a procurar pelo guarda-chuva, mas chegou à conclusão de que alguém o havia levado. Chateado com o sumiço, apesar de não ter culpa alguma pelo ocorrido, me disse: “Olha, Lúcio, não tenho como lhe devolver o guarda-chuva! Mas que tal você ficar com o jogo de preguinho como compensação? Não pensei duas vezes e aceitei a proposta.
Disputei muitas partidas no especial brinquedo. Casei-me, vieram os filhos e com eles muitas vezes revivi a minha época de criança em Santo Antônio do Monte, cidade em que esqueci (ou perdi) os meus passos de menino e que, repetindo o gesto do Sô Xisto, não me podendo devolvêosme podendo devolvdo seu Xistopassos de menino e que vocuir do disputado bringuedo.
mpo habitaminda dividem peso de minha-los d -los, premiou-me com o alicerce de alma e sensibilidade que norteia a minha literatura, ensinando-me que “História verdadeira cheira a berço”, como um dia grafei num dos versos do poema “O ser poetizado”.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br

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