domingo, 31 de janeiro de 2010

Festival de cinema em cidade sem tela

Carlos Lúcio Gontijo



Estamos com o pé na estrada da literatura desde a adolescência. Editamos nosso primeiro livro em 1977, sem patrocínio, sem noite de autógrafos, sem nada – a não ser uma nota fiscal para pagar na gráfica em que mandamos imprimir nosso “Ventre do Mundo”. Naquele tempo, a moda era editar e vender o produto literário de porta em porta e assim procedemos.
Àquela época imaginávamos tratar-se de uma solução forçada pelas condições socioeconômicas e culturais do momento experimentado pelo País, mas observamos que hoje o número de autores independentes só fez aumentar e os chamados incentivos culturais são carreados exatamente para nomes consagrados e iluminados pelos holofotes da grande mídia.
Dessa forma, como a decisão de apoio cultural foi colocada nas mãos do setor empresarial, os autores ainda não muito conhecidos não conseguem atrair a atenção dos detentores de capital, que optam por destinar recursos a produtos culturais que mais facilmente contarão com o aplauso da população, uma vez que, assim, divulgarão com mais intensidade a sua marca comercial ou industrial.
Contudo, não vejo com surpresa a piora do quadro editorial da área literária, onde as editoras costumam apostar muito pouco em novos valores (que pode ser, por exemplo, escritor com 80 anos e um punhado de livros inéditos na gaveta), atuando como simples vendedoras de selo. Ou seja, o autor paga (e caro) para que seu livro leve a logomarca de uma editora de prestígio: são os livros independentes com selo de aluguel, sob a promessa de divulgação, distribuição e até uma segunda edição da obra.
Todo esse quadro é de difícil mudança, uma vez que a realidade contribui enormemente para a sua permanência: o presidente da República se vangloria de não gostar de ler (não é à toa que de vez em quando assina documento sem ler, como recentemente se desculpou, diante de imbróglio relativo a direitos humanos, em que alguns foram tratados como mais humanos que outros); Ratinho, apresentador de tevê, afirmou há tempos que jamais havia lido um livro – mas em seguida apareceu com uma produção gráfica contando a sua trajetória de vida ! Os governantes enchem as escolas de livros didáticos e se esquecem de que eles precisam de ser acompanhados por obras literárias, pois aluno que não desenvolve gosto pela leitura termina por não assimilar os textos que expõem o conteúdo das disciplinas.
Lamentavelmente, quase tudo em relação à política cultural brasileira, se é que ela existe, é meio surrealista e movediço. Prova disso, como bem descreveu em artigo o professor de filosofia Sérgio Farnese, é o fato de Tiradentes, cidade mineira que abriga importante mostra anual de cinema, não possuir sala de exibição de filmes aberta aos seus cidadãos, que recebem uma grande quantidade de amantes da arte cinematográfica em determinado período do ano e sequer sabem o que se passa ao seu redor – uma vez que não têm como adquirir o hábito de ir ao cinema; que por lá é peça de ficção!
E ali mesmo, onde destacados intelectuais, por meio de palestras e oficinas, discutem ou filosofam sobre a importância da indústria do cinema (num país em que muitos municípios não dispõem de sala de exibição cinematográfica, teatro e biblioteca), jovens perambulam pelas ruas e têm acesso nas esquinas à viagem – quase sempre sem volta – proporcionada não pelo trem mágico da mensagem de uma película bem filmada percorrendo-lhes as estações da mente, mas por drogas cada vez mais baratas (como é o caso do crack), mortais e socialmente devastadoras.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br

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