Miséria em desalinho no Haiti
Carlos Lúcio Gontijo
Foi necessário um grande terremoto para colocar o Haiti na geografia das preocupações da comunidade mundial. Toda vez em que há uma calamidade e vem a lume a miséria mantida sob o enorme tapete em que se refestelam elites de todo o tipo, as lideranças mundiais se movem, na maioria dos exemplos, no sentido de colocar ordem na fila, abafar o grito dos pobres afetados e retirar, com a devida rapidez, a fratura exposta enfeando a paisagem e maculando o apregoado conceito de prosperidade do mundo moderno.
O nada verdadeiro sentimento cristão cultivado pela sociedade humana aceita a cotidiana morte silenciosa de milhares de crianças e adultos famintos em países africanos e no esquecido Haiti, onde habita o povo mais pobre das Américas. O terremoto que atingiu tão drasticamente Porto Príncipe contou com o apoio das distantes placas sociais que separam ricos e pobres e – sob a mais completa má vontade em se encaminharem para uma efetiva democratização do capital – constroem vazios apropriados para a explosão de apocalípticas hecatombes.
A bem da verdade nem é preciso um terremoto de grandes proporções para trazer à tona o nicho de pobreza em que vive a imensa maioria da população mundial. Aqui mesmo no Brasil, basta um período de chuvas mais intensas para que visualizemos a pobreza explicitamente boiando em enchentes nas metrópoles de todo o País.
Lamentavelmente, as intervenções que se deram (e se dão) no Haiti sempre tomaram o rumo “político-policialesco”. Ou seja, em vez de a meta ser a busca de solução para os graves problemas estruturais que afetam o conturbado espaço social que se acha bem longe de ganhar a literal conotação de nação, os interventores – Estados Unidos, à frente – sempre procuraram manter a pobreza em ordem, na fila e em permanente aceitação de sua condição de inferioridade, como se tal destino fosse um desígnio de Deus e não fruto insensível de decisões perversas tomadas pelos que detêm poder de governo e mando.
Temos então a absoluta certeza de que assim que os exércitos da salvação, fardados e não-fardados, restabelecerem a eterna ordem sem progresso – entrecortada com sufocados movimentos de revolta popular – em que vivem os haitianos, o país sairá das manchetes da mídia internacional e, claro, dos veículos de comunicação brasileiros, onde há sempre o refrigério de carnavais, axés e “brothers” alheios à miséria humana, uma realidade que nos rodeia e só nos incomoda quando, em desalinho, vem à tona e esparge o seu mau cheiro, transpondo às barreiras da máscara, do disfarce, da hipocrisia e da indiferença, que a filosofia do individualismo exacerbado impõe a toda a sociedade e a cada um de nós.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br
Carlos Lúcio Gontijo
Foi necessário um grande terremoto para colocar o Haiti na geografia das preocupações da comunidade mundial. Toda vez em que há uma calamidade e vem a lume a miséria mantida sob o enorme tapete em que se refestelam elites de todo o tipo, as lideranças mundiais se movem, na maioria dos exemplos, no sentido de colocar ordem na fila, abafar o grito dos pobres afetados e retirar, com a devida rapidez, a fratura exposta enfeando a paisagem e maculando o apregoado conceito de prosperidade do mundo moderno.
O nada verdadeiro sentimento cristão cultivado pela sociedade humana aceita a cotidiana morte silenciosa de milhares de crianças e adultos famintos em países africanos e no esquecido Haiti, onde habita o povo mais pobre das Américas. O terremoto que atingiu tão drasticamente Porto Príncipe contou com o apoio das distantes placas sociais que separam ricos e pobres e – sob a mais completa má vontade em se encaminharem para uma efetiva democratização do capital – constroem vazios apropriados para a explosão de apocalípticas hecatombes.
A bem da verdade nem é preciso um terremoto de grandes proporções para trazer à tona o nicho de pobreza em que vive a imensa maioria da população mundial. Aqui mesmo no Brasil, basta um período de chuvas mais intensas para que visualizemos a pobreza explicitamente boiando em enchentes nas metrópoles de todo o País.
Lamentavelmente, as intervenções que se deram (e se dão) no Haiti sempre tomaram o rumo “político-policialesco”. Ou seja, em vez de a meta ser a busca de solução para os graves problemas estruturais que afetam o conturbado espaço social que se acha bem longe de ganhar a literal conotação de nação, os interventores – Estados Unidos, à frente – sempre procuraram manter a pobreza em ordem, na fila e em permanente aceitação de sua condição de inferioridade, como se tal destino fosse um desígnio de Deus e não fruto insensível de decisões perversas tomadas pelos que detêm poder de governo e mando.
Temos então a absoluta certeza de que assim que os exércitos da salvação, fardados e não-fardados, restabelecerem a eterna ordem sem progresso – entrecortada com sufocados movimentos de revolta popular – em que vivem os haitianos, o país sairá das manchetes da mídia internacional e, claro, dos veículos de comunicação brasileiros, onde há sempre o refrigério de carnavais, axés e “brothers” alheios à miséria humana, uma realidade que nos rodeia e só nos incomoda quando, em desalinho, vem à tona e esparge o seu mau cheiro, transpondo às barreiras da máscara, do disfarce, da hipocrisia e da indiferença, que a filosofia do individualismo exacerbado impõe a toda a sociedade e a cada um de nós.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br
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