quarta-feira, 17 de junho de 2009

Clevane Pessoa comenta Wilmar Silva e obra nesta quarta

Clevane Pessoa comenta Wilmar Silva e obra nesta quarta-feira, dia 17 de Junho. Lá você poderá conhecer o texto do qual apresento fragmentos.
Local Sesc LACE Rua Caetés esquina com rua São Paulo, às 19 horas


A Poesia de Wilmar Silva será comentada no dia 17 deste (quarta feira).
Seu livro ANU, enche mão de anos.Sobre os versos singulares, escrevi um e-book que pode ser baixado sem ônus, neste meu "Site do escritor",(E-Livros), Recanto das Letras, e também em um de meus sites (http://br.geocities.com/clevanedeasas/ebooksclevane.htm
mas que está em outros espaços da internet (*).

Ensaio sobre o Fenômeno Poético Wilmar Silva

Clevane Pessoa de Araújo Lopes

Ruminar o feno seco e o feno verde da obra de Wilmar Silva, e ainda produzir leite, parece um sacrilégio,de tal forma a densidade do plantel tem nuances tantas e as ondulações de seu ritmo formatos tantos e quantos, que separar o todo em fardos vários, parece temerário.
Todavia, tentarei falar de seus livros e por certo falaria um século, pois tudo que dele brota,tem multifacetadas aparências, às vezes saindo uma coisa de dentro de outra, como um copo de alumínio portátil de suas próprias roscas, similando(simulando?) um disco, um a bolacha,um sol, uma lua, uma medalha e tanto mais.
Moinho de Flechas(*), que em 1991 foi Menção especial no Prêmio Jorge Lima,da União Brasileira de Escritores(RJ), alforje do universo wilmariano,oferece uma escuta de sons que se espraia dentro do contexto.Talvez por ser ator, o Poeta tem a exata noção do ritmo, das aliterações, nele às vezes representadas por silabações, que entre a estrutura mórfica das palavras de eleição e o soar das entonações, faz um crescente de marolas:
“esse levíssimo
traço de traça que laço”
ou “
“o farfalhar das folhas, o forasteiro da floresta” ...

Quem já o ouviu declamar, interpretar, entende essa perseguição necessária que faz à Palavra móvel. Nada nele é estático, nem o olhar, nem o gesto, nem o andar. O pensamento, então, faz-se de trotes e vôos. E ele o persegue com a escrita, não uma qualquer,mas com a poética, urdida, ardida, embora muitas vezes adoce o ardor da pimenta com gotas de mel.
Em Moinho de Flechas, Wilmar está na primeira pessoa, em Ego, Id e Superego, ele que estudou Psicologia e se conhece de suas vísceras. São muitas as declarações, decretos e descobertas de sua entidade sacra, bárdica(as maiúsculas são minhas,para chamar atenção do leitor a esse EU, sujeito de si, oculto ou a descoberto)) :
“(...)pássaras devassas/ENLAÇO de rosto e remela na fímbria /de quem endoidece/”
E ainda:
“(...)por mais que EU tenha olhos/de pirilampo/e gatilho de espinho”.
“(...)VOU tecer sete caminhos nas costas”***(...)”VOU rasgar meu gado no faro”(...)”a reentrância da tua flora EU desfolho”.


(...)

Noutro dia, tive em mãos “ÁGUAS SELVAGENS”,editado pela ASBRAPA(**) E encontro no Wilmar um derrame lírico-erótico-fotográfico.Descreve, circunscreve.
Transcrevo CARBONO:
“Em busca da chama do pecado,
minha carne fragmentada se disfarça,
quebrada fera como se fosse matéria sagrada,
no etéreo perdida entre uivos.
Em busca do fogo do teu corpo,
Há o grito que perde o fôlego e engole a fala,
A possível de carbonizar-me.
Em busca do pecado do teu corpo,
A torta linha por onde me desvirgino,desnudo
Púbis angélico,
Sentidos abertos até à floresta.o mar e o deserto.”

Isso mesmo:as poesias dessas águas têm pontuação, são versos mais comportados,sem as inovações, reinvenções,mas sempre muito belas.
O tema da passarada está muito presente na obra de Wilmar, até nos títulos dos livros, como”O Pardal de Rapina”, de1999,”Arranjos de Pássaros e Flores”de 2002(ambos pela Orobó Edições)...
Do primeiro, leiamos o poema-título:
PARDAL DE RAPINA:
redivivo pardal de rapina
enterro entre ervas e árvore
medra o pio da coruja
preso em meus ouvidos.
cortado pelo sol da tarde
penas misturadas de terra
congelam em mim o sangue
o ópio
a água
o éter

E ainda essa encantadora e imagética poesia:
NOIVA
Pássara de organdi de plúmeo
Sol chegou rajada de esterco
Entre flâmeos coqueiros
Peito cerzido de furta-cor
Coloração verde-chumbo
Selvagem de armas silvestres
Aqueci sua cabeça quase nua
Amadurecendo vestígios de dor
Das feridas e suas cicatrizes
Enchentes a povoar a memória
Aluvião de guelras e escamas
Pássara de organdi planto
A manhã de folhas e flores
Sombra frutas a teu ermo
Guardo em mim
O teu flautim
Teu cheiro de ave curada

Wilmar mais uma vez, demonstra que em si, há a desinstalação das normas gramaticais.Não lhe importam pontuações, talvez porque seu condicionamento de ator,intérprete de emoções apurado, module os versos a partir das emoções de seu dizer.Isso, para mim, entra sempre na estilística de quem escreve com marca e des/compromisso com tudo aquilo não gestado em si, de per si, a seu modo de ser.
Para a filha mais velha, Dríade-o poeta concretizou duas meninas,esta e a pequena Jade-aveluda-se, afloresta-se no mistério e no simbolismo no nome escolhido:
DRÍADE
Sêmen vindo da alma celestial
é o teu ser misturado de sonho
e os devaneios da tua espera
lembram o arco-íris da manhã
ave de veludo ave das nuvens
ninfa e pássara dasfloresta
teus arabescos e tuas raízes
vieram de um ventre outonal
talho o teu rosto em minha cabeça
e a cabeleira cresce no azul
onde coroamosa fronte de folhas
essência rara de puro êxtase
quis desenhar o brilho dos teus olhos
e tua boca sombreada de sol
trago um véu tecido de flores
a guarda por ti no bosque real


(...)


Imbuído na inovação/renovação, como em ANU, SEIVA, traz em si o mesmo gérmen da palavra despetalada, fragmentada para re-fazer-se de si.Pertencendo à coleção Almanach de Minas,organizado por Mulheres Emergentes(da poeta Tânia Diniz),SEIVA é o volume XV,erótico, sensual da capa ao último poemeto,o livro reúne versos da letra “A” á “Z”.Muitas palavras abrem a boca e engolem outras, algumas se subdividem quais cortes de cocada, pedacinhos que somem, pedacinhos que aparecem.Somadas, cumulativas.reduzidas,tudo para celebrar um possível enlace entre o linguajar capiau com o da erudição verbal do poeta.Se for isso.Pode ser apenas uma atividade entre o ludus e o Eros criada pelo Bardo.Saboroso.
De SEIVA, aí vai:
Letra x
Sigo persigno-t libélula
Ou gris álida q desdenhu
Di batom a teus lábios-
Haja tempestade e re-lã
Pejos t abraçu e dou-mi

Impossível não se enredar na composição dos fonemas.As reversões.A cadência lembra o trote de corcéis, mas por vezes tamanha é a sutileza, que pensa-se em plumas, asas de borboletas ou libélulas a fremir.
O primoroso prefácio é de Oswaldo André de Mello que aponta para as chamadas palavras-valises(em francês, portmanteaux),”verdadeiros achados,palavras que nascem da aproximação ou superposição de outras palavras”.Como sonuturno” ,advinda de três outras,sono,soturno e noturno. .. A mim, lembra o mistério da serpente sagrada, oroborus,completa em si própria,no círculo cheio de magia, que completa quando morde a própria calda.Assim essas palavras acopladas, ligadas, trans/formadas, argamassadas com o mel da sensibilidade .
Wilmar fica assim, marcado pelos neologismos,similares aos de Guimarães Rosa,mas com sua marca agreste e urbana,simples e complexa.A editora, Tânia Diniz lembra, no prólogo, que há uma “estreita relação homem x natureza,em suas mais latentes manifestações.Um repertório que ele domina pelas próprias experiências de vida no campo, onde passou a infância e a juventude.
Inventivo,o Poeta torna-se floricultor de palavras, passarinheiro,sempre.E cria “Arranjos de Pássaros e Flores”,onde cada escrito une um tipo de flor e um tipo de ave, resultando em significativos verso.Há Arranjo de Patativas e Palmas”,”Andorinha e kalanchoes,”,”Rouxinol e Gloxínias”..Além desses títulos,as trinta-e-uma poesias são ainda assinaladas,cada uma,por um numeral correspondente a um dia do mês.Um pássaro no singular e flores no plural,em cada página.
Para a amostra, escolho, quase aleatoriamente, tal a qualidade desse trabalho,
ARRANJO DE PAPA-CAPIM E ESPATIFILOS.
Eu-menino,divido espatifilos por ti
Miro-égua distante,ventosa e alada/
Verdejante,o intangível eu arvoreço
À sombra da imbuia,archote de luar
E agora, juncado por carrapatos,eu
Separo folhagens e frutos em vagens
Volvendo sementes em meu corpo-
Ascendo capim,mata-pasto/ar e busto
Encharcam meus olhos de cores,longe
Vôo de papa-capim, de surpresa, searo

Por mais que eu deseje apresentar o Wilmar, apontar com o dedo da luz sua forma irisdiscente de falar a poesia,escrevendo-a dessa maneira inusitada,coartadas ou soltas as palavras,não creio que deva apontar tudo, pois que tal descobrir seu “ar+ busto”,entre a agropoesia e a poesia erótica,no vínculo ebúrneo das suas invenções?E que tal poder “searar”todos esses versos numa incrível(crível) colheita?
No dia 15 de abril/2004, Wilmar Silva , na Academia Mineira de Letras,recebeu um prêmio pelo lindo e original livro Arranjos de Pássaros e Flores.

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